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UMA REVERÊNCIA A BRANCO DE MELO

Matéria publicada originalmente no jornal Diário do Pará em outubro de 2014.
(Foto: Tiago Júlio)

Os passos lentos de dona Maria José Lima de Melo pela sala da casa são quase inaudíveis. O Alzheimer lhe tomou algumas memórias e tornou sua percepção confusa. Do sofá, Manoel Rodrigues Branco de Melo olha a esposa com carinho e afeição, limita-se a comentar que ela foi uma “amigona”. Quem sabe para compensar o que a doença tomou de dona Maria, Manoel carrega lembranças vivas, antigas, precisas. Um dos artistas plásticos mais conceituados do Estado, influente a ponto de participar da IX Bienal de São Paulo, em 1971, é um baú de histórias. Narrativas e cenas transpostas em seus quadros, seus trabalhos, que revelam uma Belém de outro tempo, uma cidade muito distante. Em exposição na Galeria Theodoro Braga (GTB) com “Devoção e Doação”, Branco de Melo, às vésperas de completar 91 anos, tem a vitalidade de quem, como ele mesmo diz, nasceu para a arte.
Para Branco de Melo, a exposição de 34 pinturas na GTB é a coisa mais linda que ele já fez na vida. “Todo dinheiro das obras será revertido pra construção da Igreja de Santa Bernadeth. Eu não quero ficar com nenhum centavo. Pra mim, é isso que vale, ajudar o próximo, ver meu trabalho ir além dos quadros. No final, eu viro pó e só o que restará vai ser o que eu deixei”, fala. Humilde, apesar de ter recebidos importantes premiações no Estado, o artista não se incomoda com o anonimato. “Eu nuca vivi de arte. Não foi através da arte que eu consegui criar minha família. Eu faço arte porque eu tenho, desde sempre, essa necessidade de me expressar, de criar”, fala.
Branco de Melo rabiscava desde criança, era inquieto, apaixonado por traços e formas. Junto com nomes como Roberto de La Roque Soares, Arnaldo Vieira, Paolo Ricci e Benedicto Mello, ele foi precursor de transformações importantes no cenário artístico e cultural de Belém nos anos 60. Sob os cabelos grisalhos, finos, a memória de Branco de Melo preserva traços vivos de uma época em que a cidade era mais bucólica, menos metrópole. “Tudo era muito diferente do que é hoje. As coisas mudaram muito”, comenta o artista. Nas telas de Branco de Melo, cenários como o Beco do Carmo, a Vila da Barca ou a Basílica de Nazaré. Pedaços pouco nítidos, pictóricos, de lugares que já não existem mais como eram.
Além de artista plástico, Branco de Melo foi vanguardista ao se aventurar na fabricação de instalações, influências claras da arte moderna, vista em São Paulo, que trouxe para Belém. O artista fala com voz mansa e carinho de seu trabalho, descreve cada pormenor de como foi sua produção e os caminhos que lhe tornaram o senhor que é hoje. Na vida de Branco de Melo, a arte está enraíza e é indissociável de seu próprio ser. Trabalhou até se aposentar, em 1983, como Desenhista do Serviço do Patrimônio da União, do Ministério da Fazenda. Produz e cria independente do mercado, da falta de visibilidade e de incentivo. Não importa. “Eu já tô pensando na comemoração dos meus 75 anos de arte, em 2017”, brinca o artista. O tempo de Branco de Melo ainda não passou, vai ter que esperar.

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Branco de Melo: Sobre mim
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