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TRASLADAÇÃO: UM MAR DE LUZES PELAS RUAS DE BELÉM

Materia publicada inicialmente em 14/10/2013 no jornal Diário do Pará.
(Foto: Tiago Júlio)

Inesquecível. Não há palavra mais exata para descrever a Trasladação do último sábado (12). A cidade, que durante todo ano parece descansar para viver o Círio, despertou vibrante na forma de cantos e ladainhas que tomaram conta das vielas escuras e desertas do bairro da Campina. Do Colégio Gentil Bittencourt à Igreja da Sé, a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré desfilou imponente guiada por milhares de velas, marejando milhões de olhos. Mergulhada no “Mar de Luzes”, Belém virou Atlântida, perdida no tempo, linda e misteriosa. Independente de preferências religiosas, ideologias, crenças ou descrenças, a Trasladação, além da noite, deixou uma certeza clara: a beleza é universal.
O sol da manhã de domingo ainda tardaria algumas horas para nascer. Ao invés da subida da Catedral em direção à Basílica de Nazaré, o caminho era o inverso. O final da missa celebrada pelo núncio apostólico, Dom Giovanni D'Aniello, às cinco e meia da tarde, marcou o início da romaria. Uma chuva, de vinte minutos, atrasou o encontro da Imagem com a Berlinda e preparou o espírito da multidão. A estimativa de público dava conta de 1,5 milhões de pessoas, segundo a diretoria do Círio. Foram cerca de sete mil promesseiros puxando a corda, a mesma usada na procissão de ontem.
Os números, genéricos e frios, dizem pouca coisa diante da grandeza das cinco horas e meia de Trasladação. Literalmente, o coração de Belém pulsou em luzes, cores e sons. Em meio às preces, às dezenas de homenagens, ao choro compulsivo, à beleza dos fogos do Sindicato dos Estivadores e Arrumadores, à grande comunhão coletiva, é inevitável se entregar ao mistério que torna um evento desta magnitude possível.
Na Travessa Oswaldo Cruz, na altura da Praça da República, um senhor, lá pelos seus 50 anos, visivelmente alcoolizado, cantava um trecho de “Vós Sois O Lírio Mimoso” sozinho. Em meio a puxões e empurrões, alguns curiosos se permitiam rir de sua embriaguez alegre. Poucos eram os olhares discriminatórios. No Círio, em meio a tantos sentimentos bons, não há muito espaço para julgamentos negativos. O fiel ébrio seguiu cambaleante em direção à Presidente Vargas, tomada de romeiros. No outra esquina, próxima à Avenida da Paz, a 35ª edição da profana Festa da Chiquita começava a todo vapor, com cerca de 120 mil pessoas.
Percorridos 3,7 quilômetros, às 23:25, a chegada da Berlinda à Catedral de Belém tornou visível o cansaço da massa humana. No final da procissão, as ruas do centro da capital paraense permaneciam cheias de latinhas de alumínio, garrafinhas plásticas, papeis e de gente. Muita gente, de todas as idades, classes e lugares. Gente que, desde sábado de manhã, permaneceu perambulando pela cidade, após a Moto-Romaria e a Romaria Fluvial. Gente que, após uma tarde de descanso, voltou com o corpo renovado e pronto para mais uma caminhada.
Romeiros, livres de vaidades e pudores, deitavam-se sobre papelões, como os tantos moradores de ruas que ocupam a Cidade Velha, e descansavam tranquilos. Todos carregavam imensas riquezas no peito.  Muitos fiéis dormiram ao relento. Ou melhor: não dormiram. Aconchegaram-se pelos cantos e simplesmente aguardaram o domingo de Círio. Deste final de semana, a sensação que fica é a de que Nossa Senhora de Nazaré dividiu o trono com a felicidade e ambas reinaram sobre o mundo.

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Trasladação: Círio de Nazaré: Sobre mim
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